Brasil

Conheça os ‘acionistas ativistas’ e suas estratégias para ganhar voz nas assembleias

RIO — Há duas semanas, índios guaranis Mbya levaram quase 11 horas de ônibus entre Parelheiros, no interior paulista, e Curitiba em uma viagem de ônibus para participar de uma assembleia de acionistas. Nas mãos, algumas ações da Rumo Logística, o suficiente para ter o direito de entrar e falar sobre os impactos de um projeto sobre seu povo.

Uma semana depois, Carolina de Moura voou de Minas Gerais para o Rio para se sentar entre detentores de papéis da Vale , como ela, e expor as consequências do rompimento da barragem da empresa que deixou 270 mortos e desaparecidos em Brumadinho há três meses. O esforço é parecido com o de José Martins Ribeiro, de 78 anos, que há 51 frequenta assembleias da Petrobras .

Como eles, pessoas físicas que têm causas sociais ligadas a empresas vêm comprando ações para participar de assembleias de acionistas e ganhar voz dentro das companhias. Embora o movimento seja novo no Brasil, os acionistas ativistas já são conhecidos em países desenvolvidos, onde a cultura de investimentos em ações é maior. Minoritários levam uma nova voz às assembleias e cobram transparência e alinhamento com temas que não dizem respeito só ao lucro. O poder de voto destes acionistas, porém, é proporcional à fatia do capital da companhia que eles detêm.

— Isso é comum no exterior. Em 2002, numa assembleia da GE, freiras compraram ações para questionar a postura da empresa sobre o meio ambiente. No ano passado, acionistas da Disney questionaram a remuneração dos executivos — conta Renato Chaves, conselheiro de empresas e especialista em governança, para quem a chegada da tendência ao Brasil reflete a maior insatisfação com a gestão das empresas. — A assembleia no Brasil é feita, muitas vezes, para cumprir tabela. A má governança traz consequências físicas e perdas de valor.

Papéis pela internet

Inspirados nessa estratégia, os índios Mbya decidiram comprar ações da Rumo a poucos dias da assembleia marcada para 24 de abril . Seria a única forma de expor aos diretores da empresa sua reivindicação de compensações pelos impactos da duplicação da ferrovia Itirapina-Cubatão, em São Paulo. Tiago dos Santos, líder da Terra Indígena Tenondé Porã, conta que os papéis foram comprados num banco on-line pouco antes da partida para Curitiba.

— A gente também tem nossos assessores jurídicos. Pesquisamos a fundo para ver se era viável comprar ações. E começamos a correr — conta Tiago, em entrevista por meio do WhatsApp, lembrando que a maior dificuldade foi formalizar em papel a condição de acionista para não ser barrado na porta. — Só um dia antes conseguimos toda a papelada.

A Rumo Logística informou que reconhece que o mercado acionário é aberto a qualquer pessoa que queira investir e participar das assembleias. Sobre a obra, diz ter as licenças necessárias e contar com mediação da Funai e do Ibama para atender os indígenas.

A estratégia conquistou o grupo Articulação dos Atingidos e Atingidas pela Vale, que reúne parentes das vítimas de desastres causados por atividades da mineradora. Na última terça-feira, dez representantes foram à sede da empresa, no Rio, protestar como acionistas. Colocaram placas com os nomes dos mortos e desaparecidos após o rompimento da barragem de Brumadinho. Integrante do grupo, Carolina explica que o objetivo de comprar ações foi poder registrar as reivindicações dos atingidos na ata da reunião. Assim, querem evitar o argumento de que a empresa não sabia.

— A Articulação já participa de assembleias da Vale desde 2010. Não vamos nos calar. A empresa tem que investir tudo o que ganha na melhoria dos rios e se preocupar com vidas humanas — defende Carolina.

A Vale diz respeitar o direito de livre manifestação pacífica.

Meio século de ativismo

Dos seus 78 anos, o administrador José Martins Ribeiro já dedicou 51 a ir aos encontros de acionistas da Petrobras cobrar mais transparência. Preocupado com o patrimônio da maior estatal do país, quer proteger a empresa da corrupção.

Ribeiro se considera um acionista da estatal desde os anos 1950, quando quem abastecia nos postos da companhia ganhava um cupom que depois era convertido em ações preferenciais. Nos últimos anos, passou a falar sempre nas assembleias. Tentou até ser membro do Conselho de Administração, sem sucesso:

— A União é a controladora. Você chega à assembleia, e as decisões já estão tomadas. Não há espaço para outras vozes buscarem direitos — reclama.

A Petrobras não comentou.

Para Flávia Maranho, coordenadora da Celso Lisboa Escola de Negócios, o objetivo do ativismo de acionistas é tentar influenciar as práticas e políticas da companhia:

— O ativismo pode beneficiar, em particular, as partes interessadas que dependem da boa atuação dos investidores institucionais. Para as empresas,  esse movimento pode melhorar a confiança e a credibilidade diante do mercado, permitindo obtenção de capital a custos mais baixos.

Fuente: https://oglobo.globo.com/economia/conheca-os-acionistas-ativistas-suas-estrategias-para-ganhar-voz-nas-assembleias-23642886?fbclid=IwAR0AEb46g3GjVaG6aDn9DV8xW_o16c3tbyFNawJ6_DxX5fFP-FW4eYRvb9Y