Após seis anos sendo monitorados pela mineradora Vale, moradores do bairro Alzira Mutran resolveram se reorganizar e reivindicar seus direitos. O Bairro fica no município de Marabá-PA, às margens da Estrada de Ferro Carajás. Em uma reunião articulada pelo Coletivo de Famílias Moradoras do Bairro Alzira Mutran Atingidas pela Vale, realizada último 23 de maio, foi aprovado um documento para ser encaminhado para a mineradora e ao poder público.
A animação estava nos rostos das pessoas, que se agradaram da iniciativa, pois há muito tempo a comunidade não se reunia sem a presença da Vale. Depois da reunião, era possível ouvir frases como: ’AGORA É A NOSSA VEZ!’, ’A HORA É DE LUTAR!’, ’AGORA NÓS VAMOS PRA CIMA E COLOCAR NOSSAS PROPOSTAS!’… Veja abaixo o documento na íntegra.
O IMPACTO DA FERROVIA SOBRE AS POPULAÇÕES
São 25 municípios, 127 cidades, vilas e povoados, dos estados do Pará e Maranhão brutalmente atingidas pela construção e operação da Ferrovia Carajás/Ponta da Madeira. São populações urbanas e rurais, formadas por povos indígenas, não indígenas (agricultores, pescadores, extrativistas, comerciários, autônomos e outras categorias). Dentre os não indígenas também inclui-se os quilombolas.
Em várias comunidades e cidades, como os casos de Marabá (Pará) e Alto Alegre (Maranhão), a ferrovia atravessa parte dos territórios das populações. Principais transtornos vividos desde o inicio da operação da ferrovia, no ano de 1985, são: atropelamentos freqüentes de animais e pessoas, com mortes; isolamento de comunidades; interrupção de tráfegos; alagamentos de áreas; poluição sonora pelo atrito das rodas, do motor das locomotivas e do apito; trepidação que atinge até 300 m do eixo da ferrovia.
As populações que vivem à margem da ferrovia, quando dos momentos das passagens do trem, sofrem com interferência em seus aparelhos de televisão e telefones. São mais de cinco horas por dia somados os momentos das 24 horas que trafega o trem. A trepidação provoca enormes rachaduras nas casas, e até destruição.
O CASO DO BAIRRO ALZIRA MUTRAN
Desde o ano de 2008 que nós, moradores do bairro Alzira Mutran, temos recebido visitas freqüentes de funcionários da Vale. Na primeira visita, no ano de 2008, nos avisaram que iria ser feita uma duplicação da ferrovia e que a partir daquele momento nós não poderíamos mais efetuar melhorias em nossos imóveis porque em breve seriamos indenizados e removidos da área.
Agindo de forma ingênua e com medo do poder repressivo da empresa, as famílias deixaram de investir em seus imóveis, esperando que a Vale viesse cumprir o que havia dito. Do ano de 2008 até os dias de hoje, muitas visitas foram feitas para verificar se as famílias estariam cumprindo as ordens que lhes foram dadas.
Para disfarçar que estavam tomando algumas providências, e não apenas fiscalizando as famílias, realizaram centenas de reuniões, vários levantamentos e cadastros das famílias.
Em 2008, a empresa anunciou o Programa de Revitalização de Áreas Urbanas – Remoção Involuntária, em 2009 apresentou uma readequação do projeto, em 2010 apresentou uma nova caracterização da área, em 2011 iniciou a construção do muro de proteção, e em 2012, a Vale anunciou a revisão do projeto de construção do muro, apresentou um projeto de reurbanização e ampliação do projeto de remoção das famílias para o entorno da faixa de domínio. Até então a faixa de domínio era de apenas 28 metros do eixo da ferrovia.
No ano de 2013, realizaram reuniões em diversos bairros que seriam atingidos pela duplicação da ferrovia: Araguaia, Coca Cola, Alzira Mutran, Km 07, Folha 19, Folha 05 e São Félix. O objetivo era impor um calendário de atividades para ser desenvolvidas pela Vale, no sentido de fazer a remoção das famílias que estivessem na faixa de até 55 metros do eixo da ferrovia, sendo que primeiro seria as famílias que estivessem até 40 metros e posteriormente até os 55 metros.
No caso do bairro Alzira Mutran foi imposto o seguinte cronograma:
Em reunião realizada no dia 1º de março de 2013, na sede da Associação de Moradores do Bairro Alzira Mutran, ocorreu uma reunião com os moradores convocada pela Vale, representada por Renata e Leandro. Na oportunidade foi apresentada a empresa SYNERGIA, como responsável pelos trabalhos com as famílias.
O ponto de pauta foi a REMOÇÃO DAS FAMILIAS moradoras da área considerada pela empresa como faixa de segurança, considerando 40 metros de cada lado do eixo da ferrovia. Para tanto deveria ser feita, mais uma vez (a terceira), uma pesquisa socioeconômica, que significaria: pesquisa de campo para identificação e avaliação socioeconômica; elaboração de laudos de avaliação; e elaboração de plano de atendimento.
O trabalho seria desenvolvido em duas etapas: a primeira etapa removeria as famílias que estão na faixa de até 40 metros do eixo da ferrovia, na segunda etapa seriam removidas as famílias que estão na faixa entre os 40m e 55 metros.
Cronograma de atividades: Para a primeira etapa seria o seguinte: março/2013, estudo; junho/2013, negociação; e outubro/2013, a remoção. Para a segunda etapa: agosto a outubro/2013, estudo; novembro/2013, negociação; abril/2014, remoção. Até agora uma família foi removida, e esta mesma está muito insatisfeita.
Pontos que nós familias atingidas reclamamos e queremos providências:
1. A Vale impôs que a negociação será residência por residência, ou seja, a empresa avalia o valor da residência da família, e a família procura uma residência para ser comprada pela empresa até o valor de que foi avaliada a sua. Caso a residência encontrada pela família seja de valor inferior ao valor que foi avaliada a sua, a empresa não repassará para a família o valor restante. Nós não aceitamos e queremos o restante, para cobrir outras despesas, como compra de móveis e eletrodomésticos.
2. Nós plantamos verdadeiros sítios com diversas fruteiras nos nossos quintais ou na frente de nossas residências e a empresa não reconhece como benfeitorias a serem indenizadas. Nós queremos que sejam reconhecidos como benfeitorias e sermos bem indenizados.
3. Exigimos indenização pelo custo social: por seis anos sendo monitoradas pela empresa sem poder fazer melhoria em nossos imóveis; o custo por ter que sair de nosso convívio construído durante muitos anos e pelas condições que oferecem a nossa localização, de proximidade ao ponto de várias linhas de ônibus, de hospital, supermercado e escolas; e pelo tempo de moradia sofrendo os transtornos causados pela operação da ferrovia.
4. Exigimos a reparação de todos os prejuízos causados para as famílias durante os anos de operação da ferrovia: o campinho de futebol que foi destruído pela empresa, rachadura das casas, poluição sonora, desmoronamento de poços, alagamento de residências, isolamento e constrangimentos.
5. Exigimos reparação dos danos para as famílias que irão continuar morando no bairro com asfaltamento das ruas e implantação de rede de água e esgoto, pelos transtornos que serão causados com a operação da ferrovia duplicada(mais de onze horas por dia de ruídos e trepidações).
É hora de lutar por nossos direitos!
Coletivo de Famílias Moradoras do Bairro Alzira Mutran Atingidas pela Vale